CONTO: O MISTÉRIO DA CHAVE E DO SOL E OS ÓCULOS DE SUNKEY



Um jovem chamado Sunkey foi batizado pelo Grande Ser com esse nome por ter recebido uma chave especial que lhe daria acesso ao grande mistério do Sol. Foi assim que nosso jovem iniciou uma jornada para descobrir como poderia usar essa chave para desvendar esse mistério.
A princípio, Sunkey caminhou perdidamente e confuso. Foi uma experiência de deriva. Ele estava em movimento, em busca de algo que não sabia bem o que era. No caminho, encontrou as mais inusitadas coisas. Ele encontrou pedras, fantasias e até vassouras. Mas nada disso lhe deu uma resposta satisfatória ao mistério do Grande Ser.
Daí nosso jovem entrou em contato com a arte. A arte falava, mas era um discurso ainda muito obscuro, Mas quem sabe as artes tivessem algo a revelar sobre o grande mistério. Então, as várias artes se uniram para fazer uma apresentação a Sunkey. A escrita começou discursando, depois veio às pinturas dançando ao som do cantarolar da música. Vídeos e grafites também se uniram à apresentação, mas o que eles tinham a dizer era ainda muito obscuro.
Algo ainda estava confuso, mas enquanto ouvia a apresentação, Sunkey se deu conta de que nada podia ver naquela escuridão. E é assim que surgiu no íntimo de seu ser o pensamento: “Preciso de uns óculos para me ajudar a ver!”.
Sunkey, então, começou a questionar: “Onde estarão os óculos que me fará ver?” Ele testou vários. O primeiro óculos eram chamados “óculos da matéria”, quando o colocou, nosso personagem conseguiu olhar para as artes sob uma nova luz. Ele via como os átomos e moléculas se uniam para formar as obras de arte, como suas vibrações transmitiam o som das músicas, como a eletricidade tornava possível a exibição de tudo o que existe e como o cérebro humano era capaz de produzir obras tão magníficas e assim concluiu: “Claro, é esta a resposta do mistério do Grande Ser: Arte é matéria. Era isso o que eu deveria descobrir.”.
Mas Sunkey decidiu experimentar novos óculos. Ele então colocou o “óculos da redenção”. E olhou novamente. E a experiência foi transformadora. A arte toda se apresentava como tendo um papel redentivo. Ora, a escrita prometia salvar até do suicídio. E toda aquela apresentação de vídeos, escritas, grafites, etc. pareciam agora mais com um sermão religioso que se ouve nas igrejas no Domingo, do que com uma apresentação artística. E nosso personagem chegou a uma nova conclusão: “Estava enganado! Arte não é matéria, arte é salvação. É um meio espiritual de sermos salvos desse mundo absurdo e desesperador. É nela que eu depositarei a minha fé!” Em resposta a este: “A arte me salva!” a resposta era: “Boto fé!”.
Mas Sunkey não parou. Decidiu experimentar mais uns óculos. Eram os “óculos da Psicologia”. Quando o colocou, se espantou. Até ali, ele não tinha reparado como a música, os vídeos, a escrita e tudo o mais falavam dos sujeitos e projetavam o que estava oculto no mais íntimo do seu ser. Expressava conteúdos inconscientes, sofrimento psíquico e até aspectos da cognição e da dita “saúde mental”. Seria esse o mistério? “Arte é expressão de subjetividades” - pensou nosso personagem.
Depois vieram outros óculos. Os “óculos da existência”. A apresentação tomou um ar mais pessimista. Morte, finitude, angústia, medo, desespero, etc. pareciam ser tudo o que a apresentação de artes pronunciava. E quanto arte dadaísta e sem sentido. Sons desconcertantes e sem harmonia. Até lixos amontoados virava arte. E em um tom existencialista, Sunkey suspirou e concluiu: “A arte é a expressão de um vida sem sentido!”.
Mas havia mais uns óculos. Os “óculos da política”. E pronto! Quando olhou para a apresentação das artes com esses óculos, Sunkey percebeu que a arte discursava politicamente. Ela poderia expressar os interesses do capitalismo, dos mecanismos de dominação do sistema e das relações de opressão da sociedade.  Mas não só isso, a arte também servia como forma de denunciar esses problemas e revolucionar toda a ordem social vigente. E agora a resposta parecia acertada: “A arte é uma ação sócio-política!” E assim, mesmo sendo um burguês contemplando a arte apreciada pela elite, nosso personagem já queria “transgredir” e fazer revolução violenta. Até quebrar bancos e furtar lojas estava permitido.
Mas der repente o Grande Ser surgiu, antes que Sunkey pegasse mais um de seus óculos, e bradou: “Pare, não faça mais isso. Deixe de lado esses óculos teóricos. Não percebem que eles não estão te dando uma resposta satisfatória e final? Não se lembra da chave que te dei?”.
“Ah, é verdade! Havia me esquecido dessa chave. Mas não sei o que ela abre?” – replicou nosso personagem.
“Ela abre seu coração. A resposta do mistério da chave e do sol habita no seu interior!”
Assim, Sunkey abriu seu coração com uma chave. À medida que seu coração se abria, raios de luzes do sol saiam do seu interior. Ali estavam guardados, dentro dele mesmo, uns óculos especiais – era o “óculos de sol”. Esses óculos, diferente de todos, era um óculos pré-teórico, um óculos da experiência ingênua. Ele não contemplava apenas aspectos da arte, embora os destacassem todos, mas a arte em si, a arte em sua totalidade, a arte em sua manifestação fenomênica mais inicial e desveladora. Quando o colocou, a experiência foi fantástica. A escuridão sumiu e a luz do Sol tudo permitia ver. Eram um óculos de sol, pois com ele se enxerga as coisas como elas realmente emergem em sua totalidade, em seu campo de mostração, e não apenas um recorte da realidade.
E a história do Sunkey e seus óculos simbólicos me fez lembrar a minha experiência com meus óculos literais. Comecei a usar óculos de grau por volta do início do Ensino Médio, se não me falha a memória. Uso óculos para correção de um problema de miopia, que me impede de enxergar bem as coisas que estão longe, bem como me dificulta a ler coisas na lousa. Nessa acepção, os óculos foram importantes, tanto no sentido de propiciar uma visão mais nítida das paisagens distantes, quanto no sentido de me possibilitar estudar melhor.
       Lembro-me que quando coloquei meus óculos pela primeira vez, percebi um mundo com mais vivacidades e detalhes. As cores pareciam mais reais em suas tonalidades e era possível ver pequenos detalhes na realidade, que não eram muito claros vistos pela miopia, tais como as rugas de uma pessoa.
       Desse modo, os óculos aparecem como elemento propiciador de uma visão mais clara e nítida de mundo. Caso possa-se falar de “óculos simbólico”, perceberemos claramente as relações de sentido entre os óculos materialmente percebidos como possibilitadores de um olhar mais minucioso das tonalidades do mundo e os óculos simbolicamente concebidos, como as lentes de pressupostos teóricos e conceituais que nos proporcionam uma visão das matizes da realidade, enquanto lentes que nos possibilitam uma interpretação da trama de significações da existência.

Meus óculos, e as possibilidades de ver que ele abre e sua comunicação com a constituição simbólica de uma cosmovisão de interpretação do mundo, influenciam o modo como vemos as coisas. Ninguém vê o mundo sem óculos. Não obstante, a maioria das pessoas vê a realidade a partir de óculos reducionistas que não conseguem abranger o todo. Sunkey teve sorte de ouvir o brado do Grande Ser e encontrar aquele óculos que habita no coração de todo homem.

Comentários